Na fila da liberdade
É interessante notar as diferenças em filas, de um lugar para o outro. Em Florianópolis, por exemplo, tanto nas filas de banco como de supermercado, as pessoas ficam conversando, com calma, esperando. Mesmo no Rio de Janeiro, enfrenta-se uma fila com mais humor.
Na cidade de São Paulo, a fila é uma tortura. A fila é triste e interminável. Parece que, se fosse possível, a gente mataria aqueles quatro ou cinco que estão na nossa frente. E, se alguém con-versa com alguém, o assunto é a própria fila. Uns chegam a dizer palavras chulas. Xingam, como se a culpa fosse da pobre mocinha que está do outro lado da fila, muito mais aflita que os “filenses”.
Pois foi numa dessas filas que o fato se deu.
Era uma bela fila, de umas dez pessoas. E em supermercado, com aqueles carrinhos lotados, a gente ali olhando a mocinha tirar latinha por latinha, rolo por rolo de papel higiênico, aquela coisa que não tem fim mesmo. E naquela fila tinha um garotinho de uns dez anos, que existe apenas uma palavra para definir a figurinha: um pentelho. Como muito bem define o Houaiss: "pessoa que exas-pera com sua presença, que importuna, que não dá paz aos outros".
Pois ali estava o “pentelhinho” no auge de sua “pentelhação”. Quanto mais demorava, mais ele se aprimorava. E a mãe, ao lado, impassível. Chegou uma hora que o garoto começou a mexer nas compras dos outros. Tirar leite condensado de um carrinho e colocar no outro. Gritava, ria, dava piruetas. Era o reizinho da fila. E a mãe, não era com ela.
Na fila do lado (aquela de velhos, deficientes e grávidas), tinha um casal de velhinhos. Mas velhinhos mesmo, de mãos dadas. Ali, pelos oitenta anos. A velhinha, não aguentando mais a situa-ção, resolveu tomar as dores de todos e foi falar com a mãe. Que ela desse um jeito no garoto, que ela tomasse uma providência. No que a mãe, de alto e bom tom:
-- Educo meu filho assim, minha senhora. Com liberdade, sem repressão. Meu filho é feliz. É assim que se deve educar as crianças hoje em dia.
A velhinha ainda ameaçou dizer alguma coisa, mas se sentiu antiga, ultrapassada. Voltou pa-ra a sua fila. Só que não encontrou o seu marido, que havia sumido.
Não demorou muito e se aproximou da mãe do pentelho, abriu e entornou tudo na cabeça da mulher.
-- O que é isso, meu senhor?
O velhinho colocou o vasilhame (que palavra antiga) no seu carrinho e, enquanto a mulher esbravejava e o pentelho morria de rir, disse bem alto:
-- Também fui educado com liberdade!!!
Foi ovacionado.
(Mário Prata)
Questão 01 - Justifique o título dado à crônica acima, aproveitando para sugerir um outro: *
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Questão 02 - Qual é o tema do texto? Justifique sua resposta: *
Questão 03 - Explique o emprego das aspas no texto (lembre-se que foram usadas para duas formas diferentes): *
Questão 04 – Encontre, no texto, dois vocativos, depois transcreva-os: *
Questão 05 - O que você faria no lugar da mãe do menino? Justifique sua resposta: *
Questão 06 - O que você achou da ideia do velhinho? Será que ela surtiu o efeito desejado? *
Questão 07 - Que ditado popular se adequa ao texto lido? Por quê? *
Questão 08 - Copie do texto um neologismo (palavra inventada pelo autor), justificando sua respos-ta: *
Questão 09 - Que mensagem o texto transmite? Comente: *
Questão 10 - Você também teria coragem de, assim como a velhinha, reclamar com a mãe do pente-lho? Explique: *
Questão 11 - Que tipo de predicado há em "A fila é triste e interminável"? Justifique sua resposta: *
Questão 12 - A que classe gramatical pertence a palavra em destaque no final do texto? E que função ela exerce no predicado nominal? *
Questão 13 - Qual a predicação do verbo na passagem "Pobre mocinha que está do outro lado da fila"? Explique: *
Questão 14 - Localize no texto:
a) dois substantivos próprios: *
b) um advérbio de modo: *
c) dois advérbios de intensidade: *
d) um pronome possessivo: *
e) dois numerais: *
f) um pronome demonstrativo: *
g) um advérbio de negação: *
h) um advérbio de lugar: *
i) um advérbio de tempo: *