A lição de Siqueleto
Uma vez mais Tuahir decide explorar os matos vizinhos. A estrada não traz ninguém. Enquanto a guerra não terminasse era melhor mesmo que nenhuma pessoa estradeasse por ali. O velho sempre repetia:
— Alguma coisa, algum dia, há-de acontecer. Mas não aqui, emendava baixinho.
De facto, a única coisa que acontece é a consecutiva mudança na paisagem. Mas só Muidinga vê essas mudanças. Tuahir diz que são miragens, frutos do desejo de seu companheiro. Quem sabe essas visões eram resultado de tanto se confinarem ao mesmo refúgio. Por isso ele queria uma vez mais partir, tentar descobrir nem sabia o quê, uma réstia de esperança, uma saída daquele cerco.
— Você quer sair, não é?
— Quero, tio. Esta estrada está morta.
— Esta estrada está morta!? Mas não entende que isso é muito bom, esta estrada estar morta é que nos dá boa segurança?
— Mas nós, desta maneira, não vamos a lado nenhum...
— Isto quer dizer que aqui também não chega ninguém.
O velho pondera: não valia a pena insistir. O melhor seria uma mentira, dessas tecidas pela bondade. Diria ao miúdo que aceitava partir. Depois fingiria afastar-se, enquanto andavam em círculos. Regressariam sempre ao machimbombo1 , à mesma estrada de onde haviam partido. Assim ele fizera desde a primeira vez que saíram da estrada.
COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 63-64.
1machimbombo: [Angola, Moçambique] Grande veículo automóvel de transporte coletivo de passageiros. = ÔNIBUS
Nesse trecho coexistem dois tempos ficcionais, são eles:
A
um tempo passado, representado pelo diálogo; e um cíclico, representado pelo retorno ao ponto de origem.
B
um tempo passado, representado pela mentira de Tuahir; e um tempo presente, representado pelo diálogo.
C
um tempo cronológico, representado pelo diálogo; e um psicológico, representado pela mudança na paisagem.
D
um tempo presente, representado pela mudança na paisagem; e um cíclico, representado pelo retorno ao ponto de origem.
E
um tempo presente, representado pela mentira de Tuahir; e um tempo hipotético, representado pela vontade de Muidinga de partir.