Releia a crônica de Nina Horta:
Inapetência
De repente eram três netos. Um que dividia o mundo em coisas comíveis e coisas incomíveis. Lembro do Pedro pequenininho, andando de mão dada com o pai na praia e apontando umas cracas nas pedras. “É de comer ou não, Papi?”. E se o Papi dissesse que sim, goela abaixo. Quando o coelho de Páscoa vivo que ganhou fazia artes além das permitidas, segurava pelas orelhas, levava até a boca do forno e dizia: “olha só o que te espera se não ficar quieto”. O coelho em questão, de manhã bem cedo, vinha bater no vidro da sala pedindo pressa no café da manhã. Úrsula, a neta de cinco anos, simplesmente não comia. Lembro que uma vez quis conquistá-la pela boca e levei ao shopping para comer uma batata assada. Na mesma hora percebi o erro, com a cara desolada dela frente àquela imensa batata, imensamente cheia de queijos. Só faltou chorar, impossibilitada de sair correndo e deixar para trás aquele perigo untuoso e cascudo.
Uma vez encheu-se de coragem e resolveu ir a Paraty com o avô e a avó, fazendo de tudo que quiséssemos. Paramos na orgânica Fazenda Santa Bárbara, que não tinha refrigerantes, só sucos e todo o resto verde que costuma acontecer em lugares vegetarianos. A certa altura da escolha, pendurou os olhos em nós e suplicou. “Mas, aqui só tem coisa saudável?” Tinha puxado a avó no gosto por um monte de tranqueira. Mas, obediente, comeu de tudo e mal conseguiu chegar ao sítio para vomitar de jorro aquela saúde toda.
Laura era a caçula. Magra, loirinha, parecia frágil, e absolutamente não comia. Nada. Não tinha fome. Eu fazia um café da manhã em minixícaras de boneca, minicálices e inventava sanduíches do tamanho de uma unha feitos com ervas do jardim. Era o máximo que ela aguentava.
Em que deram essas enjoadas netas?
Gente saudabilíssima, que come de tudo. A Úrsula passou as férias numa ilha de pescadores e manda fotos de lagostas quase vivas, de moquecas, de peixes jamais vistos.
Pedro que nunca vacilou no caminho de comer bem vocifera contra os restaurantes de grife, odeia comida ruim, odeia comida cara, e até é um especialista em carnes e cozinha bem. [...]
E a Laura, a magrela irritante? De presente de aniversário pediu um jantar no D.O.M, foi lá vestida para matar, graças a importância da farra. Nessa semana, de mochila nas costas, de férias do seu sabático inglês, marcou hora no Noma, e vai comer lá. Espero que o cozinheiro tenha mudado o menu porque não aguento mais ouvir falar em camarões vivos mordendo a ponta da língua dos clientes e no caso a ponta da língua da minha neta!
HORTA, Nina. Inapetência
No final da crônica, narradora mostra que
Todas as personagens, quando adultos, mudaram seus hábitos alimentares da infância.
B
Apenas Úrsula manteve seus hábitos: continuou comendo exclusivamente peixes e frutos do mar.
C
Laura continuou sem apetite, recusando todas as comidas que considera “incomíveis”.
D
Apenas Pedro manteve seus hábitos, comendo de tudo, sem exigências de gastronomia sofisticada.