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A ESTRANHA (E EFICIENTE) LINGUAGEM DOS NAMORADOS

– Oi, meu berilo!


– Oi, meu anjo barroco!


– Que bom você me chamar assim, meu pessegueiro-da-flórida!


– Você gosta, minha calhandra?


– Adoro, meu teleférico iluminado!


– Eu também gosto muito de ser tudo isso que você me chama!


– De verdade, meu jaguaterê de paina?


– Juro, meu cavalinho de asas!


– Então diz mais, diz mais!


– Meu oitavo, décimo, décimo quinto pecado capital, minha janela sobre a Acrópole, meu verso de Rilke, minha malvassiara, meu minueto de Versailles…


– Mais, agapanto meu, tempestade minha!


– Minha follia con variazoni, de Corelli, meu isto-e-aquilo enguirlandado, meu eu anterior a mim, meus diálogos com Platão e Plotino ao entardecer, minha úlcera maravilhosa!


– Ai que lindo, liiiiindo, meu colar de cavalheiro inglês num retrato de Ticiano! Meu fundo-do-mar, você me põe louca, louca de amar as pedras, de patinar nas nuvens!


– E eu, então, minha górgone, minha gárgula de Notre-Dame, e eu, minha sintaxe de Deus?


– Você fala como falam os balões de junho de Portinari, as jóias da coroa do reino de Samarcanda, você, meu imperativo categórico, você, minha espada maçônica, você me mata!


– E você também me trucida, me degola, me devolve ao estado de música, meu tambor de mina!


– Todos os incentivos oficiais reunidos e multiplicados não valem a tua alquimia, meu ministro do fogo!


– Tuas paisagens, teu subsolo infernal, teus labirintos são superiores em felicidade a qualquer declaração dos direitos do homem!


– A primeira vez que vi você naquele bar do crepúsculo eu senti que as pirâmides e as cataratas não valiam a tua unha do dedo mindinho!


– Porque você é o Banco das Estrelas, e pode comprar todas as coisas do mundo, inclusive as águas e os animais, para restituí-los à vida em liberdade!


– Como posso ouvir outras palavras senão as tuas, meu almanaque do céu? Minha ciência do insabível? Meu terremoto, meu objeto voador identificado?


– Não nascemos um para o outro, nascemos um no outro, e estamos nessa desde antes do começo dos séculos, meu nenúfar!


– E estaremos mesmo depois que os séculos se evaporarem, ó meu desenho rupestre, meu formigão atômico!


– Mandala, raio laser, sextina! Tudo meu, é claro.


– Pomba-gira!


– Clepsidra!


– Sequóia minha, minha, minha!


Diálogo aparentemente louco, mas que dois namorados de imaginação mantêm todos os dias, com estas ou outras palavras igualmente mágicas. Não inventei nada. Apenas colecionei expansões ouvidas aqui e ali, e que me pareceram espontâneas, isto é, ninguém deve ter preparado antes o que iria dizer, de tal modo que as palavras saíam entrecortadas de risos, interrompidas por afagos, brotando da situação. O amor é inventivo e anula os postulados da lógica. Ele tem sua lógica própria, tão válida quanto a outra. E os amantes se entendem sob o signo do absurdo – não tão absurdo assim, como parece aos não-amorosos. Já ouvi no interior de Minas alguém chamar seu amor de “meu bicho-do-pé” e receber em troca o mais cálido beijo de agradecimento.


Essa coletânea de frases de amor está aqui como introdução ao projeto não-comercial de comemorações do Dia dos Namorados. Não para que elas sejam repetidas mecanicamente. Todo namorado que se preze deve inventar as besteiras líricas e deliciosas que a gente não diz para qualquer pessoa, só para uma e só em momentos de pura delícia. Funcionam? E como!


Carlos Drummond de Andrade


1-qual objetivo declarado do narrador ao apresentar a coletania de frases da primeira parte do texto?

2)Releia as linhas de 1 à 21 e copie as palavras ou expressão trocada entre os namorados e que tenham relação com:

a)No reino natural
b)no âmbito da cultura
c)o campo da técnica
d)esfera da fantasia


Sagot :

Resposta:

como introdução ao projeto não-comercial de comemorações do Dia dos Namorados. Não para que elas sejam repetidas mecanicamente. Todo namorado que se preze deve inventar as besteiras líricas e deliciosas que a gente não

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