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Procissão das almas

A Bá uma vez disse que morou numa cidade no interior de Minas onde aconteceu uma coisa muito estranha.

Nesse lugar fazia muito calor.

Naquele tempo era costume entre as pessoas do lugar, nas noites muito quentes, ficarem na porta das casas conversando ou dando voltas pela cidade até o calor diminuir e assim poderem dormir tranquilas.

Tinha uma velha, a dona Maria da Consolação, que morava numa casa mais afastada.

Como era muito idosa e as pernas doíam, ela apenas ficava na janela esperando o calor passar. Nessas noites, vinha sempre alguém para conversar com ela. Dona Maria oferecia uns doces para a visita, porque era doceira de mão-cheia e fazia um puxa-puxa maravilhoso.

Pois bem, uma noite de muito calor, a dona Maria estava tomando a fresca na janela esperando a hora para dormir. Não apareceu ninguém para conversar com ela, mas a doceira ficou apreciando o luar, que estava uma beleza.

A rua estava bem iluminada. Já era tarde da noite e não tinha mais ninguém nas portas. Tudo estava quieto.

Até que a dona Maria olhou para o começo da rua e avistou uma procissão se aproximando. A doceira estranhou:

― Ué?! Uma procissão numa hora dessas? Não sei de nenhum santo do dia que mereça procissão! O padre Eustáquio não falou nada na missa... nem está tocando o sino! O que será isso?

E a procissão se aproximava.

Vinha lenta e tão quieta que nem se ouviam os passos das pessoas. Quando o cortejo passou embaixo de sua janela, a velha percebeu que estava todo mundo encapuzado. Vestiam roupas longas e brancas.

Por mais que a doceira procurasse, não conseguia reconhecer ninguém.

Todos murmuravam algo estranho que dona Maria não conseguia identificar em nenhuma oração. Mas, como era muito religiosa, esperou com devoção a passagem daquela gente que parecia deslizar pelo chão.

Então, aconteceu um fato estranho, um dos fiéis, ao passar por baixo de sua janela, apagou a vela que trazia e entregou para a doceira dizendo com uma voz rouca:

― Guarde essa vela que amanhã eu vou voltar para buscar!

A procissão foi embora lentamente e com ela foi embora também o calor. Dona Maria guardou a vela numa gaveta e foi dormir.

No dia seguinte, a doceira estava arrumando a casa quando a Bá foi fazer uma visita. A dona da casa foi logo perguntando para a amiga:

― Então, Bá!! Teve procissão ontem e ninguém me avisou!!

― Procissão ontem, dona Maria?! Mas nem dia de santo foi!

― Mas teve procissão! Tô lhe dizendo, Bá! Eu também achei estranho porque não tinha barulho de passo, nem sino tocando, nem aviso de padre. Estavam todos de capuz murmurando uma oração que eu nunca ouvi! Um cristão até deixou comigo uma vela! Disse que voltava hoje para buscar. Eu vou lhe mostrar!

A doceira foi pegar a vela e qual não foi a sua surpresa ao encontrar no seu lugar um osso. Uma canela de defunto. Era ossada pequena como de uma criança.

A velha Maria deu um grito e mostrou o objeto funesto para a Bá. As duas ficaram apavoradas e começaram a falar ao mesmo tempo:

― Uma procissão... sem barulho... sem sino... sem aviso do padre! Foi a procissão de almas penadas!

Era a única conclusão lógica. As duas ficaram com mais medo ainda quando lembraram que a alma vinha buscar a “vela” no dia seguinte.

Naquela noite, apesar do calor forte, dona Maria manteve as janelas trancadas e ficou rezando até o dia amanhecer.

PESSÔA, Augusto. In.: Bá e as visagens: histórias de assombração.

A atmosfera misteriosa dos contos de assombração é construída por meio da ativação dos sentidos do leitor. Nesse conto, a audição dos leitores é estimulada por diversas construções textuais. O trecho que apresenta um estímulo desse sentido é

“apesar do calor forte”.

“estava bem iluminada”.

“estava tomando a fresca”.

“não tinha barulho de passo”.