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Sagot :
É possível que o Saci-Pererê seja nosso mito mais conhecido. Ente brincalhão, de aspecto inconfundível, de uma perna só, pitando cachimbo, saltitando, barrete rubro à cabeça, negro, risonho e traquina. É a forma descritiva popularíssima.
Aqui e ali tem características singulares, que tendem a ser anuladas ou diminuídas pelo efeito da mídia, que veicula um Saci padronizado, igualando suas peculiaridades em todo o Brasil e levando-o para onde não era conhecido. Além da TV há o efeito das “pesquisas” escolares no Mês do Folclore (agosto), imprimindo nas crianças um Saci muitas vezes diferente daquele conhecido naquela comunidade. É um campo para os estudos de folk-comunicação.
O Saci tem sido estudado por muitos pesquisadores no Brasil. As referências básicas estão sobretudo em Monteiro Lobato (O Saci-Pererê: resultado de um inquérito), Luís da Câmara Cascudo (Geografia dos Mitos Brasileiros) , José Carlos Rossato (Saci) e Alceu Maynard Araújo (Folclore Nacional).
Um fato interessante sobre ele ainda pouco explorado é sua relação com a Quimbanda, religião mediúnica. Em certos terreiros de culto são evocados como espíritos “da esquerda”, como uma classe de Exus Intermediários (Batizados), do 2º Ciclo, do grupo dos Exus da Terra. Se quisermos ajustá-los à classificação de Allan Kardec (O Livro dos Espíritos) estariam na Terceira Ordem, a dos Espíritos Imperfeitos, exatamente na Nona Classe, a dos Espíritos Levianos, onde se irmanam Duendes, Diabretes, Gnomos, Trasgos, Silfos, Salamandras. Não haveria pois um Saci, mas uma “Falange dos Sacis” . Em lojas especializadas são vendidas suas imagens em gesso, como de outros espíritos. Não é então o mito, mas a entidade de trabalhos. Segundo outras interpretações, como José Maria Bittencourt (No Reino dos Exus) corresponderia ao Exu Calunga ou Calunguinha. Sua ação é maléfica. Faz artimanhas e pândegas para azucrinar a vida do inimigo a mando de alguém.
Quando encosta (aproxima-se), informam, o indivíduo fica inquieto, costuma andar de marcha-à-ré, assoviando uma música sem identificação. Um sujeito dançando assim num Congado de São João del-Rei / MG, foi logo justificado por um homem que assistia como obra d'um Saci. Noutra ocasião uma mulher foi vista em manifestação para-normal com estas características e logo houve quem dissesse que lhe fizeram mal nalgum terreiro, pondo-lhe um Saci no encalço. Pode incorporar. Num caso relatado em Santa Cruz de Minas, cidade vizinha, manifestou-se numa mulher à guisa de um Exu, tortuoso e rangendo os dentes, visivelmente raivoso. Confessou ser um Saci, batizado, embora não revelasse o nome de batismo e disse que fora pago para atentar e junto com ele estavam outros Sacis, na faina maligna. Um trabalho forte os expulsou.
O barrete vermelho é a fonte de sua magia. No Fé, zona rural de São João del-Rei, informaram-me que lhe foi dado pelo “Bruto” (Satanás) . Identificaram sua carapuça com o chapéu cônico pontiagudo do Palhaço das Folias de Reis, considerando que este personagem do tradicional folguedo representa o Capeta. Rossato identificou o inverso em São Paulo sobre a carapuça do Pererê: “Ganhou-o de Deus, para tornar-se invisível aos olhos do Diabo”. Cada região com sua tradição. Retirar-lhe a carapuça, deixa-o como um escravo, posto que seus poderes sobrenaturais se tornam dominados. Então, o saci faz tudo que lhe pedirem em troca da devolução da carapuça.
Na área urbana de São João del-Rei é especialmente identificado pelo assobio repetitivo e tétrico. No Bairro São Dimas, o Capitão de Congado Luís Santana, informava de dois Sacis que assombravam o local. Um assobiava na parte alta do bairro. Outro respondia na baixa. Providenciou-se um cruzeiro, fincado-o no meio, numa colina. Começou-se a rezar nele, inclusive no Dia da Santa Cruz (03 de maio) e os Sacis sumiram. Anos mais tarde fizeram ao seu lado a Capela do Rosário, onde ocorre a festa dos Congados, anualmente, em outubro. Noutro bairro, o Senhor dos Montes, também aparecia, conforme registrou Luís Antônio Sacramento Miranda, na XI Revista do Instituto Histórico e Geográfico desta cidade (O saci-perêrê na Rua das Viúvas).
Dizia-me um senhor que o Saci é batizado. Não morreu pagão. Por isso pode entrar na igreja e as crianças abaixo dos sete anos, que tem força mediúnica excepcional, na sua inocência, podem vê-los, graças à “mediunidade aberta” até essa idade. Para umas eles fazem caretas e gatimonhas, com outras, rodeia brincando, alegre e faceiro. Justifica assim porque algumas crianças inexplicavelmente tem crises desobedientes de choro ou lúdica dentro dos templos.
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