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Hoje, revendo minhas atitudes quando vim embora, reconheço que mudei bastante. Verifico também que estava aflito e que havia um fundo de mágoa ou desespero em minha impaciência. Eu queria deixar minha casa, minha avó e seus cuidados. Estava farto de chegar a horas certas, de ouvir reclamações; de ser vigiado, contemplado, querido. Sim, também a afeição de minha avó incomodava-me.
Ela vivia a comprar-me remédios, a censurar minha falta de modos, a olhar-me, a repetir conselhos que eu já sabia decor. Era boa demais, intoleravelmente boa e amorosa e justa.
Na véspera da viagem, enquanto eu a ajudava a arrumar as coisas na maleta, pensava que no dia seguinte estaria livre e imaginava o amplo mundo no qual iria desafogar-me: passeios, domingos sem missa, trabalho em vez de livros, mulheres nas praias, caras novas.
Deixei a luz acesa. Sentia não sei que prazer em contar as vigas do teto, em olhar para a lâmpada. Desejava que nenhuma dessas coisas me afetasse e irritava-me por começar a entender que não conseguiria afastar-me delas sem emoção. Minha avó fechara a maleta e agora se movia, devagar, calada, fiel ao seu hábito de fazer arrumações tardias. A quietude da casa parecia triste e ficava mais nítida com os poucos ruídos aos quais me fixava: manso arrastar de chinelos, cuidadoso abrir e lento fechar de gavetas, o tique-taque do relógio, tilintar de talheres, de xícaras. Apanhou o lençol e ia cobrir-me (gostava disto, ainda hoje o faz quando a visito); mas pretextei calor, beijei sua mão enrugada e, antes que ela saísse, dei-lhe as costas.(...) Sentei-me na cama, as têmporas batendo, o coração inchado, retendo uma alegria dolorosa, que mais parecia um anúncio de morte.
Enfim, beijei sua mão, bati-lhe de leve na cabeça. Creio mesmo que lhe surpreendi um gesto de aproximação, decerto na esperança de um abraço final. Esquivei-me, apanhei a maleta e, ao fazê-lo, lancei um rápido olhar para a mesa (cuidadosamente posta para dois, com a humilde louça dos grandes dias e a velha toalha branca, bordada, que só se usava em nossos aniversários).



RESPONDA SOBRE O TEXTO:
1) Percebemos que no conto há a presença de um narrador. Esse narrador é personagem ou um observador? Comprove sua resposta com um trecho do conto.

2) Em relação ao tempo, o narrador relembra a partida da casa de sua avó, contando uma experiência anterior do passado. Como o tempo está caracterizado na narrativa?
3) Identifique os personagens da narrativa.

4) Releia o trecho: “Tive raiva do que me parecia um capricho e, como represália, fui para a cama.” Através desse fragmento podemos inferir que os personagens se encontram em que espaço? Este espaço é concreto ou abstrato? Justifique.

5) Releia: “beijei sua mão, bati-lhe de leve na cabeça. Creio mesmo que lhe surpreendi um gesto de aproximação.” O que este trecho revela sobre a personalidade do personagem?

6) No trecho: “lancei um rápido olhar para a mesa (cuidadosamente posta para dois, com a humilde louça dos grandes dias e a velha toalha branca, bordada, que só se usava em nossos aniversários)”. O que podemos inferir sobre a condição social dos personagens?

7) O que você imagina que aconteceu após a partida do personagem? Discuta com um colega sobre possíveis finais para a história. Depois crie um parágrafo continuando o desfecho da história, relatando o que aconteceu com o protagonista e com a avó após sua partida.



Sagot :

Resposta:

O narrador observa que era melhor estudar em vez de tentar arrumar cola.

Explicação:

Se você não sabe, cola é crime, trata-se de falsidade ideológica.