Polêmica ou ignorância?
Discussão sobre livro didático só revela ignorância da
grande imprensa, afirma Marcos Bagno, pesquisador de
temas relacionados às variações linguisticas e professor
da Universidade de Brasília (UnB)
Na semana passada, o site IG noticiou que o
Ministério da Educação comprou e distribuiu, para
4.236 mil escolas públicas, um livro que “ensina o
aluno a falar errado”. Os jornalistas Jorge Felix e
Tales Faria - do Blog Poder On Line, hospedado no
portal - se basearam em exemplos de um capítulo do
livro Por Uma Vida Melhor para afirmar que, segundo
os autores da coleção organizada pela ONG Ação
Educativa, não há nenhum problema em se falar
“nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”.
Calçaram sua tese no seguinte trecho de um capítulo
que diferencia o uso da língua culta e da
falada:"Você pode estar se perguntando: "Mas eu
posso falar os livro?". Claro que pode. Mas fique
atento porque, dependendo da situação, você corre o
risco de ser vítima de preconceito linguístico". O fato
de haver outros capítulos, no mesmo livro, que
propõem a leitura e discussão de obras de autores
como Cervantes, Machado de Assis e Clarice
Lispector e ensina modos de leitura, produção e
revisão de textos não foi citado. Mas a discussão
sobre como registrar as diferenças entre o discurso
oral e o escrito esquentou, principalmente após o
colunista da Folha de S. Paulo Clóvis Rossi vociferar,
no último domingo, que tal livro é “criminoso”. (...)
Da mesma forma, nenhum linguista sério, brasileiro
ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os
estudantes usuários de variedades linguísticas mais
distantes das normas urbanas de prestígio deveriam
permanecer ali, fechados em sua comunidade, em
sua cultura e em sua língua. O que esses
profissionais vêm tentando fazer as pessoas
entenderem é que defender uma coisa não significa
automaticamente combater a outra. Defender o
respeito à variedade linguística dos estudantes não
significa que não cabe à escola introduzi-los ao
mundo da cultura letrada e aos discursos que ela
aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que
eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso
repetir isso a todo momento. Não é preciso ensinar
nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”,
porque essa regra gramatical (sim, caros leigos, é
uma regra gramatical) já faz parte da língua materna
de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso
ensinar é a forma “isso é para eu tomar?”, porque
ela não faz parte da gramática da maioria dos
falantes de português brasileiro, mas por ainda
servir de arame farpado entre os que falam “certo” e
os que falam “errado”, é dever da escola apresentar
essa outra regra aos alunos, de modo que eles —
se julgarem pertinente, adequado e
necessário — possam vir a usá-la TAMBÉM. O
problema da ideologia purista é esse também. Seus
defensores não conseguem admitir que tanto faz
dizer assisti o filme quanto assisti ao filme, que a
palavra óculos pode ser usada tanto no singular (o
óculos, como dizem 101% dos brasileiros) quanto no
plural (os óculos, como dizem dois ou
três gatos
pingados).
(...)
Em seu livro “O preconceito linguístico”, Marcos Bagno diz que “O preconceito linguístico está ligado, em
boa medida, à confusão que foi criada, no curso da história, entre a língua e gramática normativa”. Baseandose no texto acima, explique como ocorre essa confusão segundo Marcos Bagno