Rousseau – críticas à desigualdade política
Introdução
Quem tem o dever de obedecer? Quem tem o dever de mandar? Por exemplo, no governo, a questão central é: quem
deve governar? O que é um governo legítimo?
A resposta que damos a essas questões partem do princípio de que todos são livres e iguais e não devem ser governados
por ninguém. Nesse aspecto, somos herdeiros do pensamento de Rousseau. Ele foi um dos filósofos iluministas que
defendeu a liberdade e igualdade.
No texto abaixo, Rousseau critica algumas opiniões que circulavam em sua época e defendiam algum tipo de concepção
não igualitária de governo.
Texto
A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da família. As crianças apenas permanecem ligadas ao
pai o tempo necessário que dele necessitam para a sua conservação. Assim que cesse tal necessidade, dissolve-se o laço
natural. As crianças, eximidas da obediência devida ao pai, o pai isento dos cuidados devidos aos filhos, reentram todos
igualmente na independência. Se continuam a permanecer unidos, já não é naturalmente, mas voluntariamente, e a
própria família apenas se mantém por convenção.
Esta liberdade comum é uma consequência da natureza do homem. Sua primeira lei consiste em proteger a própria
conservação, seus primeiros cuidados os devidos a si mesmo, e tão logo se encontre o homem na idade da razão, sendo
o único juiz dos meios apropriados à sua conservação, torna-se por sí seu próprio senhor.
É a família, portanto, o primeiro modelo das sociedades políticas; o chefe é a imagem do pai, o povo a imagem dos
filhos, e havendo nascido todos livres e iguais, não alienam a liberdade a não ser em troca da sua utilidade. Toda a
diferença consiste em que, na família, o amor do pai pelos filhos o compensa dos cuidados que estes lhe dão, ao passo
que, no Estado, o prazer de comandar substitui o amor que o chefe não sente por seus povos.
Grotius nega que todo poder humano seja estabelecido em favor dos governados. Sua mais frequente maneira de
raciocinar consiste sempre em estabelecer o direito pelo fato. Poder-se-ia empregar um método mais consequente, não
porém mais favorável aos tiranos. É, pois duvidoso, segundo Grotius, saber se o gênero humano pertence a uma centena
de homens, ou se esta centena de homens é que pertence ao gênero humano, mas ele parece pender, em todo o seu
livro, para a primeira opinião. E este também o sentimento de Hobbes. Eis assim a espécie humana dividida em rebanhos
de gado, cada qual com seu chefe a guardá-la, a fim de a devorar.
Assim como um pastor é de natureza superior à de seu rebanho, os pastores de homens, que são seus chefes, são
igualmente de natureza superior à de seus povos. Desta maneira raciocinava, no relato de Fílon, o imperador Calígula,
concluindo muito acertadamente dessa analogia que os reis eram deuses, ou que os povos eram animais.
O raciocínio de Calígula retorna ao de Hobbes e ao de Grotius. Aristóteles, antes deles todos, tinha dito que os homens
não são naturalmente iguais, e que uns nascem para escravos e outros para dominar.
Aristóteles tinha razão, mas ele tomava o efeito pela causa. Todo homem nascido escravo nasce para escravo, nada é
mais certo: os escravos tudo perdem em seus grilhões, inclusive o desejo de se livrarem deles; apreciam a servidão, como
os companheiros de Ulisses estimavam o próprio embrutecimento. Portanto, se há escravos por natureza, é porque houve
escravos contra a natureza. A força constituiu os primeiros escravos, a covardia os perpetuou.
Eu nada disse do rei Adão, nem do imperador Noé, pai de três grandes monarcas que partilharam entre si o Universo,
como o fizeram os filhos de Saturno, nos quais se acreditou reconhecer aqueles. Espero que me agradeçam por esta
moderação, porque, descendente que sou de um desses príncipes, quiçá do ramo mais velho, quem sabe se, pela
verificação dos títulos, eu não me sentiria de algum modo como o legítimo rei do gênero humano? Seja como for, não se
pode deixar de convir em que Adão não foi soberano do mundo como Robinson o foi em sua ilha, enquanto permaneceu
o único habitante; e o que havia de cômodo nesse império era o fato de que o monarca, seguro em seu trono, não tinha
a recear nem rebeliões, nem guerras, nem conspirações.Questões para interpretação
1. Qual é o tema central do texto?
a. Uma crítica às ideias que justificam algum tipo de desigualdade no governo.
b. Uma defesa da democracia.
c. Uma defesa da importância dos pais na educação dos filhos.
d. Uma crítica às ideias de Aristóteles.