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A volta do filho pródigo

Cerca de 30 mil crianças e adolescentes fogem todo ano no Brasil. Oitenta por cento voltam para

casa. Dificuldades com a família e busca de independência são as causas mais frequentes das fugas.

A volta é acompanhada de arrependimento.

Meus pais não me compreendem, ele pensava sempre. As brigas, em casa, eram frequentes. Os

pais reclamavam do som muito alto, das roupas estranhas, das tatuagens. Revoltado, decidiu fugir

de casa. Sabia que, para seus velhos, aquilo seria uma dura prova: afinal, ele era filho único. Mas

estava na hora de mostrar que não era mais criança. Estava na hora de dar a eles uma lição. Botou

algumas coisas na mochila e, uma madrugada, deixou o apartamento. Tomou um ônibus e foi para

uma cidade distante, onde tinha amigos.

Ali ficou por vários meses. Não foi uma experiência gratificante, longe disso. Os amigos só o

ajudaram na primeira semana. Depois disso ficou entregue à própria sorte. Teve de trabalhar como

ajudante de cozinha, morava num barraco, foi assaltado várias vezes, até fome passou. Finalmente

resolveu voltar. Mandou um e-mail, dizendo que estaria em casa daí a dois dias. E, lembrando que

a mãe era uma grande leitora da Bíblia, assinou-se como "Filho Pródigo".

Chegou de noite, cansado, e foi direto para o prédio onde morava. Como já não tinha a chave do

apartamento, bateu à porta. E aí a surpresa, a terrível surpresa.

O homem que estava ali não era seu pai. Na verdade, ele nem sequer o conhecia. Mas o simpático

senhor sabia quem era ele: você deve ser o Fábio, disse, e convidou-o a entrar. Explicou que tinha

comprado o apartamento em uma imobiliária:

— Seus pais não moram mais aqui. Eles se separaram.

A causa da separação tinha sido exatamente a fuga do Fábio:

— Depois que você foi embora, eles começaram a brigar, um responsabilizando o outro por sua

fuga. Terminaram se separando. Seu pai foi para o exterior. De sua mãe, não sei. Parece que

também mudou de cidade, mas não sei qual.

Fábio não aguentou mais: caiu em prantos. O homem se aproximou dele, abraçou-o. Entre aqui no

seu antigo quarto, disse, tenho uma coisa para lhe mostrar. Ainda soluçando, Fábio entrou. E ali

estavam, claro, o pai e a mãe, ambos rindo e chorando ao mesmo tempo. Tinha sido tudo uma

encenação. Abraçaram-se, Fábio jurando que nunca mais sairia de casa.
A verdade, porém, é que não gostou da brincadeira, mesmo que ela tenha lhe ensinado muita coisa.

Os pais, ele acha, não podiam ter feito aquilo. Se fizeram, é por uma única razão: não o

compreendem. Um dia, ele terá de sair de casa. Mais tarde, naturalmente, quando for homem,

quando tiver sua própria casa. Só que aí levará os pais junto. Pais travessos como os que ele tem

precisam ser controlados.

SCLIAR. Moacyr.

Após a leitura do texto, responda às questões abaixo:

1-Qual é o assunto da crônica?



2-Antes de decidir fugir de casa, o que Fábio pensava sobre os pais?




3-No fim da crônica, depois de voltar para casa, arrependido, a opinião de Fábio muda em relação

aos pais? Justifique sua resposta indicando partes do texto.





4-O fim da crônica tem algo de inesperado ou surpreendente? Explique sua resposta.