O CASO DA CANETA DE OURO Chamo este de o caso da caneta de ouro. Na verdade é sem mistérios. Mas meu ideal seria escrever alguma coisa que pelo menos no título lembrasse Agatha Christie. Achamos por bem dar-me de presente uma caneta de ouro. Sempre escrevi com lápis-tinta ou, é claro, à máquina. Mas se me veio uma caneta de ouro, por que não? Ela é bonita e de boa marca. Tive logo um problema ao qual também não dei importância. O probleminha era: com caneta de ouro devem-se escrever coisas de ouro? Teria que escrever frases especiais porque o instrumento era mais precioso? E terminaria eu mudando de jeito de escrever? E se o jeito mudasse, na certa ele iria, por seu turno, me influenciar – e eu também mudaria. Mas em que sentido? Para melhor? Outra questão: com caneta de ouro eu cairia no problema do Rei Midas, e tudo o que ela escrevesse teria a rigidez faiscante e implacável do ouro? A esses probleminhas, como eu disse, não dei importância maior: estou habituada a não considerar perigoso pensar. Penso e não me impressiono. O que veio depois, sim, foi problema maior. O caso é que tenho uma só caneta de ouro e dois filhos. Mas estou-me precipitando, devo começar pelo início. LISPECTOR, Clarice. O caso da caneta de ouro. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. p. 56. Neste texto publicado por Clarice Lispector (1925-1977) em 23 de dezembro de 1967, a escritora trata de um acontecimento simples, “sem mistérios”, como ela define, mas que gerou um “problema maior”. O caso introduzido neste fragmento apresenta as características de Escolha uma: a. um romance, gênero literário ao qual Clarice Lispector e a escritora inglesa Agatha Christie se dedicaram durante um longo tempo. b. um conto policial, desde o título escolhido, tendo em vista que nessa narrativa procura-se investigar o valor de uma caneta feita de ouro. c. um poema em prosa, pela expressividade e emotividade presentes na escolha de palavras e na forma de emitir os sentimentos da autora. d. uma narrativa autobiográfica, considerando-se que a autora explica fatos de sua vida íntima e familiar, como o relacionamento com os filhos. e. uma crônica, ou seja, uma narrativa curta que traz reflexões geradas por eventos do dia a dia da escritora e relatados de uma maneira sutil.