3 - No trecho “Na turma pouco dá pra todos, todo mundo divide, cada um contribui”, que princípio ou valor é destacado positivamente no comportamento da turma?
texto:A TURMA
Eu também já tive turma, ou melhor, fiz parte de turma e sei como
é importante em certa idade essa entidade, a turma.
A gente é um ser racional, menos quando em turma. Existe, por
exemplo, alguma razão para um grupo de pessoas sentar todo dia numa
escadaria ou meio-fio e passar horas conversando?
Você pode falar a um filho, por exemplo, que refrigerantes
engordam e chocolates dão mais espinhas em quem já está na idade das
espinhas. Ele nem ouvirá. Mas, se um dia a turma resolver, ele passará a tomar
só água com limão e pegará nojo de chocolate. Você pode falar que cabelo tão
comprido é incômodo, calorento, atrapalha, mas que nada, ele te pedirá dinheiro
para comprar mais xampu. Agora, se a turma resolver cortar careca, ele
aparecerá de repente careca no café da manhã e nem quererá falar no assunto
– qual o problema em cortar careca?
Você pode dizer que bossa nova é bom, e mostrar jornais e
revistas, provar que só “Garota de Ipanema” já recebeu centenas de gravações
em todo o mundo, mas ele aumentará o volume do rock pauleira ou da tecno-
bost. Até o dia em que alguém da turma aparece com um CD de bossa nova e
ele troca Axel Rose por Tom Jobim de um dia para o outro.
A turma tem modas, como quando resolvem todos arregaçar as
barras das calças, que usavam arrastando pelo chão.A turma tem traumas, como quando o namoradinho de uma se
apaixona pela namoradinha de outro e ...
A turma tem linguagem própria, uma variante local de um ramal
regional da vertente adolescente da língua.
A turma adora sentar na calçada e na praça e falar sobre o que
viram em casa na televisão.
A turma tem duplas de amigos e amigas mais chegados, e trios, e
quartetos, que num grande minueto anarquista se misturam nas festas de
aniversário.
Ninguém da turma dança até que alguém da turma começa a
dançar, aí dançam todos trocando de par até acabarem dançando todos juntos
como turma que são.
Um da turma se tatua, todos da turma querem se tatuar.
Um bota uma argola no nariz, os outros, para variar, botam no lábio,
na sobrancelha e na orelha e...
A turma é isso aí, cara, uma reunião diária de espinhas e
inquietações, habilidades e temperamentos, o baralho das personalidades se
misturando, o jogo das informações e dos sentimentos rolando nas conversas
sem fim, nas andanças sem cansaço, nas músicas compartilhadas, no refri com
três canudos e uma empadinha pra quatro.
Na turma pouco dá pra todos, todo mundo divide, cada um contribui,
a turma se une partilhando e repartindo.
A turma ri como só na turma se ri.
A turma julga quando erramos.
A turma castiga com silêncios e ironias.
A turma te chama, te reprime, te liberta, te revela, te rebela, te
maltrata, te orgulha, te ama e te envolve, te afasta e te atrai, mas a turma é assim
porque a turma é a turma.
Até o dia em que – disse a todos meus filhos – cansamos de ter
turma e passamos a ser gente. E todos me disseram que sou um chato, mas o
primogênito hoje já concorda: o tempo da turma passa.
Mas, aqui entre nós, como dá saudade!