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O texto de Rubem Braga é um exemplo de



Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a

porta do apartamento – mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me

lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da véspera sobre a “greve do pão dormido”.

De resto não é bem uma greve, é um lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o

trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu café da manhã com pão

dormido conseguirão não sei bem o que do governo.

Está bem. Tomo meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. Enquanto tomo

café, vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando

vinha deixar o pão à porta do apartamento, ele apertava a campainha, mas, para não

incomodar os moradores, avisava gritando:

– Não é ninguém, é o padeiro!

Interroguei-o uma vez: como tivera a ideia de gritar aquilo?

– Então você não é ninguém?

Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe

acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra

pessoa qualquer e ouvir uma voz que vinha lá de dentro da casa perguntando quem era;

e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: “não é ninguém, não, senhora, é o

padeiro”. Assim ficara sabendo que não era ninguém...

Ele me contou isso sem mágoa nenhuma e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-

lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante.

Naquele tempo, eu também, como os padeiros, fazia trabalho noturno. Era pela

madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem

pela oficina – e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares

rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como o pão saído do forno.

Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque

no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem

assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem

cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade

daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; “não é ninguém, é o padeiro!”.

E assobiava pelas escadas.

(Rubem Braga. Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1989, p. 63​


Sagot :

assobiava pelas escadas.