Texto I

Memória da pedra

Nas profundidades de uma gruta do rio Pinturas, um caçador estampou na pedra sua mão vermelha de
sangue. Ele deixou sua mão ali, em alguma trégua entre a urgência de matar e o pânico de morrer. E algum tempo
depois, outro caçador imprimiu, junto a essa mão, sua própria mão negra de fuligem. E depois outros caçadores
foram deixando na pedra as marcas de suas mãos empapadas em cores que vinham do sangue, do carvão, da terra
ou das plantas.
Treze mil anos depois, pertinho do rio Pinturas, na cidade de Perito Moreno, alguém escreve na parede: Eu
estive aqui.
(Eduardo Galeano, in Bocas do tempo [2015])

Texto II

Vaidade
(A um grande poeta de Portugal)

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...
(Florbela Espanca, in Livro de Mágoas [2020]


P- Tendo como referência o seu conhecimento acerca da teoria do texto poético, e as reflexões
iniciais propostas pela disciplina teoria da narrativa, escreva brevemente sobre as diferenças
entre os textos acima. Leve em consideração as distinções entre os gêneros lírico/poético e
épico/narrativo; busque abordar em sua resposta as categorias eu-lírico e narrador.