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Que tipo de narrador tem esse conto

A VELHINHA INTELIGENTE
Esta é uma história que se conta até hoje na cidade de Carcassonne, ao
sul da França. Há várias versões do mesmo caso, mas todas concordam num
ponto: a cidade foi salva graças à esperteza de uma mulher.
Há muitos e muitos séculos, a próspera cidade de Carcassonne foi cercada
por guerreiros inimigos. Embora protegida por muralhas e portões, a população não estava a salvo: como ninguém pudesse sair, aos poucos a comida foi
escasseando. Logo chegou o dia em que ninguém mais tinha o que comer, e
os inimigos, do lado de fora, resistiam teimosamente, esperando a rendição
da cidade.
Então, o governador de Carcassonne, refletindo sobre a gravidade da situação, resolveu que era preferível entregar-se a ver seu povo morrer de fome.
Entretanto, assim que ele anunciou a todos a sua resolução, uma senhora, madame Carcas, já bem idosa e por isso mesmo muito experiente, adiantou-se e
disse que tinha um plano para salvar a cidade.
Todos riram dela, porém como já se consideravam perdidos, acharam que
não faria mal escutá-la.
– Primeiro, tragam-me uma vaca – pediu ela.
– Uma vaca?!? – exclamaram. – E como vamos achar uma vaca?
Mas madame Carcas insistiu e todos se puseram a procurar de casa em casa.
Vira daqui, revira de lá, encontraram, por fim, uma vaca muito magra, na
casa de um avarento, que a havia escondido por medo de morrer de fome. Ele
bem que reclamou, mas o animal foi levado até a velha senhora.
– Agora – disse ela – juntem tudo o que puderem de alimentos: restos,
cascas, o que encontrarem!
Assim fizeram todos, conseguindo juntar um saco cheio de restos de cereais. Manoela Pamplona
12 LÍNGUA PORTUGUESA - 4º ANO
– Muito bem – aprovou a madame. – Deem tudo isso à vaca!
– À vaca?!? Isso é um absurdo! Todos nós temos fome!
– Pois deem tudo à vaca e não vão se arrepender – garantiu a velhinha.
Não sem relutar, fizeram o que ela dizia. A vaca rapidamente engoliu aquilo
que para todos parecia um banquete desperdiçado.
– Agora, abram com cuidado os portões e deixem a vaca sair – ordenou
a senhora.
– Essa velha é louca! – gritaram alguns. Mas como madame insistisse com
tanta segurança, resolveram obedecer-lhe até o fim.
Do lado de fora, a tropa inimiga percebeu que os portões da cidade
se abriram.
Intrigados, viram que uma vaca escapava. Mais do que depressa, capturaram o animal e o levaram para seu chefe de armas.
– Veja, senhor, eles deixaram uma vaca escapar! Graças a esse descuido,
hoje teremos um bom jantar!
O chefe, intrigado, ordenou que matassem a vaca. Mas, quando abriram a
barriga do animal e ele a viu forrada de cereais, muito preocupado, concluiu:
– Soldados! Se os habitantes dessa cidade ainda têm tantas provisões que
podem alimentar suas vacas e além disso se dar ao luxo de deixá-las escapar,
é sinal de que poderão resistir ainda por muito tempo. É melhor nos retirarmos, pois certamente morreremos de fome antes deles.
Assim, os inimigos foram embora e a cidade foi salva.
Dizem ainda que a velhinha, vendo partir os soldados, subiu à torre da igreja e começou a tocar o sino, em sinal de vitória. Ouvindo aquilo, o povo gritou:
– Viva! Carcas sonne! – que em francês quer dizer “Carcas está tocando
o sino”.
É por isso que a cidade foi chamada de CARCASSONNE

Sagot :

Em tais contos – de artimanha; ou de manhas e artimanhas; ou de astúcia, ou ainda, de esperteza, como costumam ser denominados – a trama é sempre organizada em torno de um personagem que utiliza a esperteza para obter o que deseja, ludibriando outro – ou outros – personagem ingênuo ou, pelo menos, não tão esperto como o protagonista. Dessa maneira, os ardis são sempre inesperados e engenhosos, nunca havendo uso de estratégias usuais e previsíveis.

Estes protagonistas - que podem ser pessoas ou animais – acabam por representar a possibilidade de ludibriar certos valores da sociedade que os segrega ou exclui, valores estes sintetizados na figura de seu antagonista. Assim, podem ser personagens que sofrem pela pobreza, o que lhes acarreta ausência de dinheiro, de comida e bens materiais; podem sofrer por problemas que se realizam no interior da família (ou de um casal, como a traição) que desafiam astuciosamente os valores morais vigentes; podem, ainda, ser alvo do autoritarismo de representantes de classes sociais hierarquicamente superiores.

(...) Os contos de artimanha são comumente organizados no eixo temporal, quer dizer, as ações narradas são apresentadas em uma ordem e sequência de tempo claramente indicadas. O tempo da narrativa costuma ser indefinido, mas o local pode ser especificado em alguns textos, já que se referem à tradição oral e, dessa forma, a sua origem histórica pode remeter a uma região específica[2] . As relações de causalidade marcam a progressão temática no que se refere à relação existente entre os motivos do protagonista, a estratégia que desenvolve para resolver o problema colocado a ele e às consequências/resultados do plano executado.

Nestes contos não há a presença do elemento mágico típico dos contos de fadas e de encantamento: a astúcia do protagonista o substitui. Tampouco há príncipes, reis e princesas: sendo assim, quando acontece a resolução do problema por meio do casamento, este acontece com a filha do patrão, por exemplo.

Do ponto de vista especificamente textual, a artimanha do protagonista costuma ser apresentada ao leitor – e comumente também aos seus antagonistas - no momento em que está sendo desenvolvida na história, e não de maneira antecipada. Quer dizer: em tais textos, não é usual que haja antecipação do plano do personagem esperto ao leitor; ao contrário, este toma conhecimento do plano na medida em que está sendo posto em ação, o que coloca suspense no texto, quase sempre surpreendendo, ao final, tanto personagens quanto leitores.

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