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6) De que forma muitos indígenas acabam perdendo os seus traços culturais?
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Sagot :

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O conceito de cultura tem uma longa história e sua origem é anterior ao esforço da antropologia de estudar e compreender povos com costumes e modos de vida diferentes. Como mostra Elias (1990), cultura e civilização são conceitos que surgem na Europa e que, já de início, ganham significados diversos entre as várias populações nacionais nascentes. Grosso modo, porém, esses termos parecem conotar a unidade ocidental e as diferenças internas a ela: se civilização é um resultado final de um processo que culmina no Ocidente, cultura designa as particularidades das populações ocidentais ¾ os modos franceses, ingleses, alemães.

Na antropologia evolucionista de fins do século XIX, uma história comum a todos os povos culminaria na civilização ocidental, ápice da evolução, e as diferenças culturais ficavam subordinadas a uma concepção de estágios, ou estados, que deveriam ser ultrapassados. Funda-se então a missão civilizatória ocidental. Com a crítica aos evolucionistas e a admissão da relatividade cultural, a antropologia norte-americana, de um lado, e a inglesa, de outro, recusam o que foi chamado de pseudo-história ou história conjectural e buscam entender a diferença cultural. Está em jogo, aqui, uma oposição entre diferença e desigualdade.

Na antropologia americana, cultura passa a ser definida como um conjunto de traços que podem ser perdidos ou tomados de empréstimo de populações vizinhas, enquanto a antropologia britânica a pensa como um sistema de partes articuladas entre si, cuja lógica própria deve ser entendida. Porém, essa visão de "traços culturais" que podem ser perdidos acaba por levar à noção de aculturação, ou seja, de um processo regressivo de perda cultural, a que os povos nativos (não-ocidentais, "primitivos") de todo o mundo estariam especialmente sujeitos. Passa-se, então, a se preocupar com o desaparecimento da diversidade cultural.

As discussões a respeito da etnicidade reviram essa definição reificadora da cultura, como traços ou elementos que podem ser perdidos, e focaram as fronteiras que delimitam uma cultura (Barth, 1969). Nessa acepção, o que define uma cultura não são seus traços constitutivos, mas sim o estabelecimento da fronteira entre um e outro, o que é feito pela atribuição da diferença, pelos traços diacríticos (Carneiro da Cunha, 1986). Assim, o que importa não é a manutenção dos traços em si, mas da diferença que origina a identidade e que é estabelecida contextualmente por meio de traços maleáveis e flexíveis. A cultura não deve se manter em uma suposta integridade; o que deve ser preservada é sua diferenciação em relação às outras, são as fronteiras, e essas são traçadas por elementos que têm origem cultural, mas são escolhidos em contexto.

Mais do que isso, as culturas foram percebidas em suas transformações. Todas as culturas estão na história, o que diverge entre elas é o modo como lidam com a história com que se defrontam e se transformam (Sahlins, 1991). Portanto, a mudança cultural deixa de ser percebida como um fantasma que assombra os nativos do mundo todo e passa a ser entendida como um meio de reprodução social que é pautada também pela história.

A figura do índio no Brasil e o espaço que ele ocupa na sociedade brasileira têm sido concebidos também de modo mutante. Em um primeiro momento, pensa-se o índio como parte da formação da sociedade brasileira, tratando-o, como importante, no passado, para a constituição da singularidade nacional; o foco está, assim, no índio como nosso antepassado, nas heranças que deles recebemos, seja genética, seja cultural, seja na importância que ele teve para a adaptação do colonizador europeu ao novo meio.2 Esse foco tem suas raízes na teoria de Freyre, mas foi Darcy Ribeiro quem primeiro elegeu o índio como o principal personagem de sua teoria sobre o Brasil.

Sendo, não por acaso, Darcy Ribeiro também um indigenista ligado ao SPI (Serviço de Proteção ao Índio, o poder tutelar à época, posteriormente substituído pela atual Funai), seus trabalhos mostravam a preocupação com o destino das populações indígenas, com sua aculturação e integração à sociedade nacional. Baseada em uma teoria que considerava a cultura composta por traços que poderiam ser perdidos, essa corrente denunciava e buscava investigar a assimilação do índio e sua transformação em trabalhador rural, no "índio destribalizado", no dizer de Ribeiro, que seria reduzido à massa disforme de campesinato.

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