conta-se que, para chegar a essa tese, primeiro
teria percebido que à harmonia dos acordes musi-
cais correspondiam certas proporções aritméticas.
Supôs, então, que as mesmas relações se encon-
trariam na natureza. unindo essa suposição aos
seus conhecimentos de astronomia – com os quais
podia, por exemplo, calcular antecipadamente o
deslocamento dos astros –, concebeu a ideia de um
cosmo harmônico, regido por relações matemáticas
(teoria da harmonia das esferas).
Se para Pitágoras “tudo é número”, isso
quer dizer que o princípio fundamental (a ar‑
ché) seria a estrutura numérica, matemática,
da realidade. a diferença entre as coisas resul-
taria, em última instância, de uma questão de
números. Os pitagóricos entendiam, por exem-
plo, que os corpos eram constituídos por pontos
e a quantidade de pontos de um corpo definiria
suas propriedades.
O mundo teria surgido da fixação de limites para
o ilimitado (o ápeiron), da imposição de formas
numéricas sobre o espaço. e da estrutura nu-
mérica da realidade derivariam problemas como
finito e infinito, par e ímpar, unidade e multiplici-
dade, reta e curva, círculo e quadrado etc.
Observe que, com Pitágoras, pela primeira vez
na história da filosofia ocidental se introduzia, na
explicação da realidade, um elemento mais for-
mal, fundado na ordem e na medida. (como vimos
no capítulo 5, um elemento formal é aquele que
considera as relações entre os termos de uma
operação do entendimento independentemente
da matéria ou conteúdo dessa operação.)
Há, portanto, um monismo em Pitágoras
quando ele diz que tudo é número. No entanto,
sua doutrina sobre a origem do mundo nos leva
a pensar em uma concepção dualista da reali-
dade, pois afirma que o mundo surgiu de um
ápeiron (o indeterminado) determinado pelo li-
mite – princípio este que instaura o múltiplo,
mas mantém a unidade e a ordem universal. O
limite operaria como um deus, ou seria o próprio
Deus (cf. berNhArDt, O pensamento pré‑socrático:
de tales aos sofistas, em Châtelet, História da
filosofia: ideias, doutrinas, v. 1, p. 34).
apaixonados pela matemática, os pitagóricos
aliaram aos números concepções não apenas fi-
losóficas, mas também místicas, desenvolvendo
uma visão espiritual da existência. Por isso, pro-
puseram e praticaram um estilo de vida baseado
na crença de que a alma é prisioneira do corpo e
que dele se libera com a morte. Poderia, então,
reencarnar-se em uma forma de existência mais
elevada, dependendo do grau de crescimento e
de virtude que a pessoa tivesse alcançado. assim,
para os pitagóricos, o principal propósito da exis-
tência humana seria o de purificar a alma e elevar
suas virtudes.
as doutrinas pitagóricas tiveram grande in-
fluência sobre Platão e o platonismo. recordemos,
por último, que se atribui a Pitágoras o uso da
palavra filosofia pela primeira vez
2. em sua opinião, seria possível estabelecer
alguma relação entre o pensamento de Pitágoras e a ciência moderna? Por quê?