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Por que a sociabilidade desenvolveu o direito?

Sagot :

Resposta:

Quando, contemporaneamente, falamos dos direitos de cidadania, seja em textos de cunho científico, seja na linguagem ordinária da vida política, referimo-nos tanto aos direitos sociais, pertinentes ao ordenamento social, quanto aos direitos individuais de liberdade e correspondente apropriação privada dos bens coletivos. No entanto, a articulação sistemática entre esses dois tipos de direitos não se faz sem enfrentar enormes dificuldades. Dentre elas, parece-me central o fato de que a política social, voltada para o atendimento dos direitos sociais, tem como referência básica a legitimidade da alteração, pelo Estado, de padrões de organização da vida coletiva, quando isto parece violar uma dimensão crucial do conceito de direito individual.

Esta dificuldade pode ser posta do seguinte modo. Os direitos sociais são, normalmente, trabalhados dentro de uma linguagem sociológica, que representa a sociedade como um sistema, uma coisa que, se está sujeita à história, em particular ao artifício humano, não deixa de impor, via institucionalização de práticas e relações sociais, seus "próprios" limites à liberdade. Já a formulação original dos direitos individuais está alicerçada na idéia de direito subjetivo, que faz preponderar, sobre a representação da sociedade, a vontade e a razão individuais, em algumas versões tomando o ser humano como sujeito independente de qualquer determinação que não sua própria natureza (Ewald, 1986; Oliveira, 1997,1999).

Efetivamente, os direitos sociais foram formulados no âmbito do processo de ordenamento e pacificação da sociedade industrial emergente (séc. XIX), concebidos dentro de uma percepção solidarística da vida social, claramente demonstrável na formulação do direito à compensação pelo acidente no trabalho (refiro-me aqui às reflexões de Duguit, Bourgeois e Hauriou3). O processo de industrialização produzirá fatos novos, em particular o fenômeno do pauperismo, distinto da pobreza por ser permanente e resultar da inserção (antes que exclusão) do pobre na própria ordem produtiva. Mas são os acidentes de trabalho que merecem aqui atenção especial.

A presunção liberal então vigente era a de que a intervenção governamental nas relações sociais deveria pautar-se pelo que podemos chamar de princípio de responsabilidade individual. De acordo com esse princípio, cada pessoa, cada cidadão deveria ser capaz de garantir-se a si mesmo e a seus dependentes, não cabendo a intervenção do Estado. É por conta da operação desse princípio que a liberdade podia ocupar posição de centralidade, a ser garantida pelo próprio Estado. Não é que o liberalismo desconhecesse a existência de desigualdades de condições e qualidades entre os cidadãos. Mas, frente a elas, a recomendação, coerentemente com o que foi acima mencionado, era a de que o Estado formulasse e implementasse políticas assistenciais. Essas políticas, voltadas para conferir aos menos favorecidos pela sorte o apoio necessário para saírem de sua situação de dependência e precariedade, possibilitaria a cada um assumir a responsabilidade por seus atos. Tais políticas seriam portanto compensatórias por essas desigualdades fortuitas e, como tais, pontuais. Não cabe, nesta perspectiva teórica, uma ação do Estado voltada para um reordenamento da sociedade, pois resultando da livre escolha dos cidadãos (alguns deles apoiados previamente por políticas governamentais), esta seria a melhor ordem possível.