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Resposta:

Crônica de Machado de Assis (Gazeta de Notícias, 1889)

Quem nunca invejou, não sabe o que é padecer. Eu sou uma lástima. Não posso ver uma roupinha melhor em outra pessoa, que não sinta o dente da inveja morder-me as entranhas. É uma comoção tão ruim, tão triste, tão profunda, que dá vontade de matar. Não há remédio para esta doença. Eu procuro distrair-me nas ocasiões; como não posso falar, entro a contar os pingos de chuva, se chove, ou os basbaques que andam pela rua, se faz sol; mas não passo de algumas dezenas. O pensamento não me deixa ir avante. A roupinha melhor faz-me foscas, a cara do dono faz-me caretas...

Foi o que me aconteceu, depois da última vez que estive aqui. Há dias, pegando numa folha da manhã, li uma lista de candidaturas para deputados por Minas, com seus comentos e prognósticos. Chego a um dos distritos, não me lembra qual, nem o nome da pessoa, e que hei de ler? Que o candidato era apresentado pelos três partidos, liberal, conservador e republicano.

A primeira coisa que senti, foi uma vertigem. Depois, vi amarelo. Depois, não vi mais nada. As entranhas doíam-me, como se um facão as rasgasse, a boca tinha um sabor de fel, e nunca mais pude encarar as linhas da notícia. Rasguei afinal a folha, e perdi os dois vinténs; mas eu estava pronto a perder dois milhões, contando que aquilo fosse comigo.

Upa! que caso único. Todos os partidos armados uns contra os outros no resto do Império, naquele ponto uniam-se e depositavam sobre a cabeça de um homem os seus princípios. Não faltará quem ache tremenda a responsabilidade do eleito, — porque a eleição, em tais circunstâncias, é certa; cá para mim é exatamente o contrário. Dêem-me dessas responsabilidades, e verão se me saio delas sem demora, logo na discussão do voto de graças.

— Trazido a esta Câmara (diria eu) nos paveses de gregos e troianos, e não só dos gregos que amam o colérico Aquiles, filho de Peleu, como dos que estão com Agamenon, chefe dos chefes, posso exultar mais que nenhum outro, porque nenhum outro é, como eu, a unidade nacional. Vós representais os vários membros do corpo; eu sou o corpo inteiro, completo. Disforme, não; não monstro de Horácio, por quê? Vou dizê-lo.

E diria então que ser conservador era ser essencialmente liberal, e que no uso da liberdade, no seu desenvolvimento, nas suas mais amplas reformas, estava a melhor conservação. Vede uma floresta! (exclamaria, levantando os braços). Que potente liberdade! e que ordem segura! A natureza, liberal e pródiga na produção, é conservadora por excelência na harmonia em que aquela vertigem de troncos, folhas e cipós, em que aquela passarada estrídula, se unem para formar a floresta. Que exemplo às sociedades! Que lição aos partidos!

O mais difícil parece que era a união dos princípios monárquicos e dos princípios republicanos; puro engano. Eu diria: 1°, que jamais consentiria que nenhuma das duas formas de governo se sacrificasse por mim; eu é que era por ambas; 2°, que considerava tão necessária uma como outra, não dependendo tudo senão dos termos; assim podíamos ter na monarquia a república coroada, enquanto que a república podia ser a liberdade no trono, etc., etc.

Nem todos concordariam comigo; creio até que ninguém, ou concordariam todos, mas cada um com uma parte. Sim, o acordo pleno das opiniões só uma vez se deu abaixo do sol, há muitos anos, e foi na assembléia provincial do Rio de Janeiro. Orava um deputado, cujo nome absolutamente me esqueceu, como o de dois, um liberal, outro conservador, que virgulavam o discurso com apartes, — os mesmos apartes.

A questão era simples. O orador, que era novo, expunha as suas idéias políticas. Dizia que opinava por isso ou por aquilo. Um dos apartistas acudia: é liberal. Redargüia o outro: é conservador. Tinha o orador mais este e aquele propósito. É conservador, dizia o segundo; é liberal, teimava o primeiro. Em tais condições, prosseguia o novato, é meu intuito seguir este caminho. Redargüia o liberal: é liberal; e o conservador: é conservador. Durou este divertimento três quartos de colunas do Jornal do Comércio. Eu guardei um exemplar da folha para acudir às minhas melancolias, mas perdi-o numa das mudanças de casa.

Oh! não mudeis de casa! Mudai de roupa, mudai de fortuna, de amigos, de opinião, de criados, mudai de tudo, mas não mudeis de casa!

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