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Sagot :

 

A fase mítica ou não-filosófica. A razão em busca de explicação

Texto: Antônio Xavier Teles

 

O homem primitivo não começou filosofando, assim como o homem medieval não podia ainda fazer Ciência.

Sua mente primitiva se sentia estimulada a explicar uma Natureza totalmente desconhecida. Recém-vindo de uma evolução biológica surpreendente, sua mente era, diante das coisas, um papel em branco onde iria escrever seus mitos.

O mito surge da necessidade consciente e inconsciente que o homem tem de explicar seu meio, seus problemas desconhecidos. Depois da explicação, sente-se como que dono da situação. Apossa-se intelectualmente do fato. Ora, quando o homem surgiu na Terra, tudo era incógnito e, por conseguinte, sua imaginação começou a criar explicações numa função existencial de dar sentido a seu meio. Estas explicações primitivas recebem a denominação de mitos. O mito, ainda hoje, é uma constante da mente humana. Nossos índios, depois de uma ameaça real de SOO anos da parte dos brancos, criaram o seguinte mito explicativo do seu destino, segundo relato de Orlando Vilas-Boas.

"A três índios diferentes foram ciados um arco branco, um arco preto e uma carabina. Os três chegaram às margens de um lago de águas muito claras. Os dois ín-dios que escolheram os arcos não quiseram entrar no lago, puseram apenas as mãos em suas águas. As mãos ficaram brancas e eles tentaram limpá-las numa árvore. Aí ouviram a voz de Avinhoka (divindade protetora) que disse: 'Assim como a árvore, vocês não serão para sempre'. O terceiro índio, que havia escolhido a carabina, entrou na água e saiu completamente branco. Em seguida foi deitar-se sobre uma pedra. A este, disse Avinhoka: 'Assim como a pedra, você será eterno'."

Que vem a ser um mito?

Mito é um contexto explicativo, não-Iógico, muitas vezes fantástico, motivado pelo meio físico e humano em que vive a coletividade. Os índios bacairis do Brasil Central explicam o Sol como uma bola de penas de ara-ra que faz o seu percurso através do firmamento. Essa interpretação realmente ilógica, como quase todo mito, reflete uma configuração local muito nítida.   Um grupo esquimó não poderia criá-lo.

O mito é:

Fantasioso: apela mais para as forças da imaginação.

Pouco lógico: não tem coerência interna, é contraditório.

Explicativo: se não tiver por função explicar algum- fenômeno, alguma coisa, não é mito.

Exemplo: Os gregos primitivos afirmavam que a Terra era sustentada no espaço às costas do gigante Atlas. Este estava em cima de uma tarta-ruga, e esta? Já era filosofia demais fazer essa pergunta. Para os nossos índios, todas as coisas nasceram de mães. Havia a mãe das árvores, a mãe dos rios» dos peixes, da Lua (Jaci), do Sol (Coaraci). Ci significa mãe. Perguntar donde vieram estas mães e, quem as fecundou, era exigir demais da mentalidade mítica.

Mito é um contexto explicativo feito para esclarecer um fato até então desconhecido. Relato mitológico é aquela elaboração de natureza poética, literária, moral, que se faz sobre um mito ou algum fato de natureza literária ou histórica. Mitologia é o conjunto dos relatos  mitológicos, podendo incluir alguns mitos de determinado povo. O mito, em suma, é o pensamento anterior à reflexão mais crítica. Nasceu de uma atitude primária diante das coisas, sem rigor racional e sem crítica pessoal. Isto seria característica do momento seguinte: o filosófico. A reflexão, a meditação ativa e a razão crítica viriam destruir o mundo mítico e elaborar um outro tipo de explicação: a filosófica. ídolos ou mitos atuais?

Os ídolos da canção popular, do esporte, do cinema, do teatro são, algumas vezes, chamados impropriamente de mitos. Devem ser chamados de ídolos, isto é, pessoas idealizadas e carregadas de força e atitudes sen-sibilizadas com quem uma boa parte da população se identifica por rea-lizarem aquilo que cada um gostaria de fazer, já sem esperança de o poder.

Quando o público forma a imagem de um herói, está fazendo um trabalho de síntese, de criação. A personalidade verdadeira do artista ou do herói fornece apenas alguns elementos dessa imagem.

Ê realmente o público quem fabrica o ídolo, conferindo-lhe todas aquelas qualidades e defeitos que ao mesmo tempo ama e teme, e não tem coragem de reconhecer em si. Cultua e destrói o ídolo, alternadamente, porque é para isto que ele serve: para substituir a si próprio, na adoração ou no castigo.

A impossibilidade para o comum das pessoas de realizar semelhantes feitos dá lugar à frustração. Ao transferir para o ídolo, que desempenha com êxito aquilo que, tanto em sonho como na realidade, gostaria de fazer, essa frustração é, de certa forma, apaziguada. Pela identificação descarregam-se as tensões das frustrações recalcadas. Daí a vibração com suas vitórias ou fracassos e o esquecimento quando advém insucesso. Esta é apenas uma explicação erudita ou científica do fato. É um exercício da razão científica.